O hidróxido de cálcio é um dos cimentos mais utilizados na clínica dentária, tanto na medicina dentária restauradora como na endodontia. Trata-se de um cimento dentário com longa história e envolto em controvérsias, sobretudo pela sua capacidade de estimular a formação de nova dentina, uma propriedade debatida desde o início do século XX. Neste artigo, vamos explorar em profundidade o cimento de hidróxido de cálcio: as suas características, aplicações clínicas atuais e critérios para escolher a formulação mais adequada em cada situação. Está pronto?
Foi apenas no século XIX e início do século XX que os profissionais começaram a considerar seriamente abordagens conservadoras para o tratamento pulpar e periodontal. Até então, a exodontia era frequentemente a solução preferida, rápida e definitiva. Na década de 1930, a endodontia foi oficialmente reconhecida como especialidade odontológica, e desde então, a investigação passou a focar-se em novas técnicas, materiais e fundamentos científicos emergentes.
Utilizações do cimento de hidróxido de cálcio em medicina dentária
Graças às suas propriedades antibacterianas, elevada biocompatibilidade e capacidade de induzir a formação de tecidos mineralizados, o hidróxido de cálcio tornou-se um recurso indispensável na medicina dentária. A sua versatilidade permite a sua utilização em diversos procedimentos, tanto conservadores como endodônticos, sempre com o objetivo de proteger a polpa e promover a regeneração dos tecidos dentários. A seguir, destacamos os principais utilizações clínicas.
Hidróxido de cálcio como revestimento pulpar direto
A polpa dentária possui uma capacidade de regeneração que depende da idade do paciente, da sua condição periodontal e da fase de formação radicular. Esta capacidade deve ser aproveitada!
O revestimento pulpar direto é indicado quando se pretende preservar a vitalidade pulpar em casos de exposição acidental, desde que não haja histórico de dor persistente provocada por estímulos externos.
Nos dentes jovens , temporários ou permanentes, com exposição pulpar por cárie ou trauma, o procedimento mais aceite atualmente é a pulpotomia, que consiste na remoção da polpa coronária. O tecido vivo dos canais radiculares permanece intacto e é protegido com cimento de hidróxido de cálcio, favorecendo a cicatrização e manutenção da vitalidade. Estudos científicos demonstram que, quando corretamente aplicado e na ausência de inflamação prévia, o hidróxido de cálcio promove a formação de dentina reparadora e preserva a vitalidade pulpar.
Para avaliar o sucesso do tratamento, recomenda-se a realização de uma radiografia periapical para verificar possíveis lesões iniciais e alterações no volume da câmara pulpar. Embora o uso do hidróxido de cálcio continue a gerar debate, a maioria dos especialistas defende a sua aplicação. Os críticos apontam a baixa capacidade de vedação como fator de imprevisibilidade.
Hidróxido de cálcio como revestimento pulpar indireto
O revestimento pulpar indireto consiste em preservar uma camada de dentina cariada no fundo da cavidade, evitando a exposição pulpar. Em seguida, aplica-se o cimento de hidróxido de cálcio para estimular a recuperação do tecido pulpar.
Além de promover a formação de dentina, o hidróxido de cálcio favorece a remineralização da dentina desmineralizada e atua como barreira contra microrganismos. Estudos indicam que a taxa de sucesso deste procedimento ultrapassa os 90%. Embora não tenha efeito sedativo, apresenta excelentes propriedades antibacterianas e anti-inflamatórias, podendo ser utilizado sob qualquer material restaurador. Segundo Gani e Crosa, a formação de dentina esclerótica induzida pelo hidróxido de cálcio é incontestável, e desde que Hermann o introduziu na medicina dentária, nenhum outro agente conseguiu substituí-lo como protetor pulpar.
Hidróxido de cálcio na endodontia
O hidróxido de cálcio continua a ser amplamente utilizado em endodontia, seja em tratamentos protetores da polpa, biopulpectomias parciais, reparação de perfurações periodontais, reabsorções cemento-dentinárias, dessensibilização, irrigação ou como medicação intracanal entre sessões. Também está presente em cimentos seladores endodônticos à base de hidróxido de cálcio, como o Bioroot RCS da Septodont.
Apesar de ser um cimento valioso e utilizado há mais de cem anos, o seu mecanismo de ação ainda não é completamente compreendido nem totalmente fundamentado.
Como atua o hidróxido de cálcio nos tecidos?
A ação do hidróxido de cálcio está relacionada com a sua disociação iónica, que liberta iões hidroxilo (OH-). Estes radicais monovalentes têm capacidade redutora e oxidam-se ao perder um eletrão. Os produtos resultantes dessa dissociação são responsáveis pelos efeitos biológicos observados nos tecidos vivos e nos microrganismos, como a formação de tecidos mineralizados e a ação antibacteriana.
O hidróxido de cálcio provoca necrose superficial nas células e induz a calcificação do tecido pulpar, o que leva alguns autores a considerarem o seu efeito paradoxal. A lesão nos tecidos vitais depende do pH, da solubilidade do agente cáustico, do seu efeito desidratante, da interação com os componentes celulares e da profundidade de penetração. O pH alcalino promove necrose por coagulação, clivagem hidrolítica dos lípidos em ácidos orgânicos e álcoois, desnaturação proteica, trombose capilar e, por fim, inicia a resposta cicatricial dos tecidos.
Quanto à sua ação antibacteriana, o hidróxido de cálcio atua de forma direta ao entrar em contacto com as bactérias, e de forma indireta ao obliterar os túbulos dentinários, dificultando o acesso aos nutrientes e absorvendo o dióxido de carbono essencial à sobrevivência dos microrganismos presentes na dentina.
Apresentações do cimento de hidróxido de cálcio para diferentes aplicações em medicina dentária
Consoante o tipo de procedimento clínico em que se pretende utilizar o cimento de hidróxido de cálcio, existem diversas apresentações disponíveis no mercado. A seguir, apresentamos algumas das principais opções.
Calcimol LC da Voco: revestimento pulpar indireto
O Calcimol LC da Voco é um cimento de hidróxido de cálcio fotopolimerizável e radiopaco, especialmente indicado para revestimento pulpar indireto ou como base sob qualquer material restaurador. Esta formulação é ideal para esse tipo de aplicação, promovendo eficazmente a formação de dentina terciária.
Dycal da Dentsply: revestimento pulpar direto, indireto e liner
O cimento hidróxido de cálcio Dycal da Dentsply é autopolimerizável e vem em duas pastas: base e catalisador. Está indicado tanto para revestimento pulpar diretoindireto, além de atuar como liner protetor antes da aplicação de adesivos, vernizes, cimentos ou qualquer outro material restaurador. A sua composição foi desenvolvida para não interferir na polimerização dos materiais subsequentes.
UltraCal XS da Ultradent: medicação temporária intracanal
O cimento de hidróxido de cálcio UltraCal XS da Ultradent exerce uma ação antibacteriana sobre os microrganismos presentes no interior dos canais radiculares, mesmo sem contacto direto com eles. Este efeito ocorre devido à criação de um ambiente com pH elevado e à absorção do dióxido de carbono (CO₂), elemento essencial para o crescimento bacteriano.
Ver cimento UltraCal XS Ultradent
O cimento temporário sem eugenol Vidu: fixação temporária de coroas e pontes
O cimento temporário sem eugenol da Vidu contém hidróxido de cálcio e hidroxiapatite. Tira partido das propriedades antibacterianas e dentinárias do hidróxido de cálcio para proteger as preparações entre sessões clínicas. Vem em duas pastas: base e catalisador e a sua utilização não interfere a polimerização de outros materiais, ao contrário dos cimentos que contêm eugenol. E como se não bastasse, tal como todos os produtos da Vidu, a sua pegada plástica é zero.
Ver cimento temporário sem eugenol Vidu
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Em conclusão, podemos afirmar que as divergências em torno do hidróxido de cálcio persistem ao longo do tempo. No entanto, atualmente sabemos muito mais do que há um século, o que nos permite compreender o seu efeito biológico a nível molecular, a sua ação sobre os tecidos vitais, o pH ideal para aplicação clínica, o processo de formação de nova dentina e o seu efeito antibacteriano, que é amplamente reconhecido.
O hidróxido de cálcio é uma alternativa importante na medicina dentária atual. No entanto, como sempre, a decisão de utilizá-lo deve basear-se em um excelente critério clínico e em uma boa fundamentação, a fim de evitar erros que possam ocorrer devido à imprevisibilidade dos resultados.
Esperamos ter partilhado informações úteis e atualizadas sobre este cimento de ampla aplicação na prática dentária. Se gostou do nosso artigo, não se esqueça de nos seguir nas redes sociais para acompanhar as últimas novidades do sector dentário, tudo para facilitar o seu dia a dia. Caso tenha dúvidas, não hesite em contactar-nos. Teremos todo o gosto em ajudar. Até breve!
